A criação de personagens originais, cativantes e interessantes é um desejo constante entre profissionais de diversas áreas criativas e, quando falamos de animação infantil, logo vem à mente a personagem que marcou nossos primeiros anos de vida. Mulan, Ursinho Pooh, Pica-Pau? Este artigo não pretende apresentar uma metodologia para criar uma personagem impactante a esse nível, mas reunimos algumas dicas que podem ajudar no processo de duas áreas em especial: roteiro e ilustração.
Defina e entenda seu público-alvo
As personagens podem nascer antes, depois ou durante o desenvolvimento da premissa, mas é fundamental que sejam sempre concebidas tendo em vista o público-alvo. No caso de projetos voltados ao público infantil, existem alguns aspectos importantes a se considerar.
O agrupamento de faixas-etárias pode nortear decisões importantes no estágio inicial do projeto. A denominação e abrangência podem variar, mas citamos alguns grupos possíveis:
– primeira infância (até 3 anos);
– segunda infância (de 3 a 6 anos) e
– terceira infância (6 a 12 anos).
– toddlers (até 3 anos);
– preschoolers (de 3 a 6 anos);
– kids (6 a 8 anos);
– tweens (8 a 12 anos) e
– teens (12 a 15 anos).
Vale uma boa pesquisa para entender o perfil psicossocial do grupo que forma o público-alvo do projeto. As crianças na primeira infância, por exemplo, estão em uma fase de descoberta do mundo, período em que buscam entender as relações com o outro e identificar padrões, dentre várias outras características. Já na segunda infância, a curiosidade segue forte, acompanhada de um pensamento mágico e lúdico. Dessa forma, o elemento maravilhoso tende a despertar ainda mais o interesse das crianças e essa lista também não se esgota aqui.
Na perspectiva do roteiro
Além de pensar nas funções dramáticas básicas (protagonistas e antagonistas), merece atenção especial se as personagens serão mais “planas”, representando uma única ideia, qualidade e caricatura superficial ou “densas”, com maior complexidade, profundidade psicológica e diferentes qualidades. Lembrando que é preciso cuidado para não confundir a criança ao criar uma personagem cheia de contradições, por exemplo. Um bom caminho é investir em características físicas e psicológicas que se relacionem com a jornada, seja para facilitar ou dificultar a vida da personagem. Como Remy, um rato que sonha se tornar um grande chef (Ratatouille); Dumbo, um filhote de elefante que consegue voar (título homônimo); Duda, uma tamanduá vegetariana (Tromba Trem) e Sócrates, um boi intelectual que não quer exercer a mesma função que todos da boiada (Papaya Bull).
Com relação às personagens coadjuvantes, elas podem ter diferentes funções: interesse romântico, melhor amigo(a), mentor(a) e outras que complementam a vida e jornada dos protagonistas e antagonistas. Essas personagens também podem ser “planas” ou “densas”, ter uma história pregressa, ajudar ou criar conflitos para o(a) protagonista e ter sua própria subtrama.
Diante do desejo ou necessidade de duplo protagonismo na história, reflita se as personalidades de cada personagem se complementam, se elas terão jornadas compartilhadas (coprotagonismo) ou independentes e como suas transformações vão coincidir no final.
Na perspectiva da ilustração
Como tecer orientações para um processo, muitas vezes, puramente intuitivo? Optamos por comentar aspectos mínimos que podem ser “não tão óbvios” para alguns e que, mesmo para os experientes, sempre é bom de recordar.
Considere o perfil do público-alvo discutido no início do artigo, bem como as referências do projeto eventualmente trazidas pelo(a) roteirista ou produtor(a). Mesmo em um cenário de total liberdade criativa, algumas diretrizes se impõem. Os traços gerais, figurinos e acessórios devem remeter à personalidade da personagem e a arte conceitual deve se mostrar funcional para a técnica de animação a ser utilizada. Reflita também sobre a melhor forma de representação da personagem em uma única imagem: em pose combate, sorridente, irritada, pensativa?
Alguns ilustradores famosos compartilharam dicas e seus processos. Hergé dizia que a redução dos detalhes do rosto de uma personagem permite que o público projete suas próprias emoções nela. Preston Blair (Disney, MGM) publicou o livro “Advanced Animation”, que trata da arte de criação de personagens para animação.
A potência das personagens animais
O público infantil fica mais engajado com personagens animais? Para a escritora Emily Gravett, sim. Considerando que eles podem ser “como” a gente, mas não “a gente”, a antropomorfização proporciona um distanciamento emocional que facilita a transmissão de algumas mensagens, como a empatia. Ainda no campo da literatura, um estudo realizado em 2017 na Universidade de Toronto mostrou resultado oposto. Crianças absorveram e aplicaram mais os aprendizados de livros com personagens humanos. Para o neurologista e psiquiatra Sigmund Freud, as crianças consideram o comportamento humano adulto mais confuso e menos relacionável do que as ações dos animais. Uma reflexão possível é que as crianças, por vezes, têm comportamentos instintivos como os animais e suas emoções também são mais simples e puras.
Talvez seja menos discutível dizer que as personagens animais para a animação são universalmente identificáveis e ajudam a transcender limites de raça, gênero e nacionalidade. Essa universalidade é muito explorada pela Pixar, que constantemente traz uma personagem não-humana, mas com nossos níveis de inteligência. Também não podemos deixar de mencionar que essas personagens são uma ótima fonte de alívio cômico. É preciso um esforço especial para que uma personagem animal não se encaixe nessa função, seja no tom de sátira para agradar o público adulto, seja no tom juvenil ou apenas “fofo” para as crianças.
Olhe ao redor
Grandes personagens voltadas para o público infantil como Mônica, Popeye, Ariel (A Pequena Sereia) e Pernalonga foram inspiradas em pessoas reais que seus criadores conheciam direta ou indiretamente. Em alguns casos, as inspirações não vieram apenas da aparência, mas de traços da personalidade também. Dessa forma, ilustradores e roteiristas ficam contemplados nessa dica. Por fim, recomendamos as boas e velhas visitas a páginas de Pinterest e outros sites que oferecem uma vitrine com diversas referências de personagens, como a “Cartoon characters inspiration” do GraphicMama e Igorshmel e “Inspiração de Personagens” do Walison Borges.
Quais personagens marcaram a sua infância e como é seu processo de criação para esse público? Comente aqui embaixo ou nas redes sociais da ABCA. Vamos ajudar as personagens a saírem do mundo das ideias e ganhar o coração da criançada!
Autora: Marcela Macedo